O Coronel Ubiratan Ângelo, Ex-Comandante Geral da PMERJ e porta-voz do projeto Compromisso com o Rio do VRB, falou com propriedade e bom humor sobre a atual situação da Segurança Pública no estado, “Síndrome de Thor” e a importância de programas de assistência para policiais vitimados.

Como você avalia a atual situação da Segurança Pública no Estado do Rio de Janeiro?

A situação não está boa, mas já esteve pior. O grande problema é enxergar a Segurança Pública tão somente como questão criminal, o que não é verdade. Ela existe para a preservação da ordem pública. Isso significa preservar o ir e vir, as liberdades, o bem estar.

A polícia tem tudo a ver com Segurança Pública, mas não necessariamente de forma criminal. Policiar significa auxiliar no ordenamento da Polis – no sentido de cidade, estado ou nação – do aglomerado urbano sob a égide do Estado, do poder público.

Costumo dizer que polícia é igual a criança: longe faz falta, perto demais incomoda. Em um bairro nobre, uma viatura próxima traz a sensação de segurança, mas a mesma viatura em uma área de confronto faz a população se perguntar se está tendo tiroteio, ou seja, a polícia não vai resolver todos os problemas.

A força policial foi criada no Brasil em 1808 para cuidar da urbe, para fazer as pessoas andarem dentro da ordem estabelecida por quem tem domínio. Atualmente, nos lugares ordenados do Rio de Janeiro, o domínio pertence à administração pública e ao Estado, em lugares desordenados pertence ao tráfico ou à milícia. Cada local tem normas próprias, negociações, costumes, mediações e soluções de conflitos diferenciados.

Com a chegada das UPPs vimos aumentar o registro de crimes “domésticos”, tais como violência no ambiente familiar e as brigas de casais. Na verdade, esses delitos sempre existiram, mas não eram mediados na instância formal do Estado e sim pelos traficantes. A mediação sempre pertence a quem domina o território. A milícia e o tráfico aplicam castigos e isso a polícia não pode fazer. Em última análise, a Segurança Pública no Rio de Janeiro vai estar bem ou mal dependendo de quem está dominando.

Os números da violência sofrida por policiais no estado do Rio de Janeiro estão entre os mais altos do país. Na sua opinião, quais são os motivos para ocorrência desses índices?

No Rio de Janeiro existe um alto índice de vitimização policial, e em decorrência das atividades policiais, na disputa pelas áreas de confronto. Isso acontece porque a busca pelo território é sempre feita na bala e não com argumentos.

O domínio territorial tem por finalidade exercer atividades ilícitas, mas também instaurar uma economia paralela com transporte, gás, energia elétrica, internet, água, comércio de remédios, bebidas e materiais. Tudo é feito sem pagamento de taxas e alvarás, autorizado pelo dominador do território que lucra muito com o consumo em uma economia disruptiva e irregular, mantida com o crime e a violência. A bala perdida, o homicídio, as mortes por decorrência de intervenção policial, a vitimização, estão todos nos mesmos espaços onde acontecem essas atividades.

Existe muita oscilação nas taxas de vitimização de policiais em serviço. Em 2006, houve uma onda de ataques contra estabelecimentos policiais. No ano seguinte (2007), houve repressão e como resposta o número de vítimas em decorrência de confrontos com a polícia aumentou.

Porém, a maior vitimização é a do policial “não de serviço”. Em 2017, morreram 134 policiais assassinados, sendo 30 de serviço, 77 de folga e 27 inativos. As ocorrências com os inativos aconteceram nas mesmas circunstâncias dos oficiais de folga: no deslocamento – reagindo a assaltos – e exercendo atividades como seguranças por terem uma aposentadoria pífia.

Percentualmente falando, 30 e 27 são o mesmo número quando consideramos um universo de aproximadamente 40.000 oficiais. As características da vitimização entre policiais de folga e inativos eram muito próximas, mas o mais importante é observar que todos estavam armados nesses episódios. Mesmo depois de se aposentarem, a maioria dos policiais permanece com os mesmos hábitos. Eles acreditam na arma como instrumento de defesa.

Eu entrei para polícia há 43 anos e não conheço uma arma de fogo de defesa. Você não se defende atacando. A partir dessa consideração, comecei a analisar os super heróis. O Super Homem é blindado, o Capitão América defende e ataca com o escudo, o Batman tem o cinto de utilidades. Todos possuem defesas e estratégias diferentes. Já o Thor utiliza um martelo, o Mjölnir. Ele se defende atacando. Então, o policial sofre da Síndrome de Thor, acha que vai se defender atirando. Acredita ser policial 24h por dia e é, mas não está de serviço. Não existe lei que obrigue ninguém a trabalhar na folga! Esse mito foi criado e sustentado por alguns governantes para ter um efetivo atuando 24h por dia.

Existem caminhos possíveis para transformar essa realidade?

Antigamente, o oficial andava de espada, hoje porta arma de fogo. São 210 anos de cultura. É preciso desestruturar essas ideias na cabeça do policial, mas é necessário fazer um link com o governo. Os governantes incentivam que isso aconteça. Há uma crença de que na ativa existe dedicação exclusiva, mas isso não está escrito em lugar algum. Existe é a dedicação integral.

Para resolver, primeiro é preciso setorizar os tipos de vitimização do policial e buscar as causas: questões com operação, equipamento protetivo, blindagem de viatura… essas soluções já estão sendo aplicadas e o número dos policiais vitimados em serviço tem caído.

E de folga? Demorou-se muito a encontrar uma saída, mas em 2018, depois de muita conversa com o então Comandante Geral Laviano, entendemos a importância de capacitar os oficiais para eles vivenciarem na prática as dificuldades do uso da arma de fogo fora do serviço. Nessas ocasiões, há o elemento surpresa. Quando se está em um momento de descontração com a família, ou mesmo no trânsito, a atenção fica reduzida e os policiais são surpreendidos pelos bandidos.

Por outro lado, estão acontecendo mortes de policiais nos percursos de casa para o trabalho. Existem estudos demonstrando os dias, horas e locais onde geralmente ocorrem esses latrocínios. Então, esses espaços precisam estar policiados. Isso já está acontecendo e o número de vítimas caiu.

Como programas de assistência a policiais vitimados, como o Compromisso com o Riopodem auxiliar no aumento da autoestima e moral da PMERJ?

Existem programas de prevenção à vitimização de policiais em serviço, de folga e inativos. Esse é um movimento antigo, cíclico e oscilante. Durante o meu Comando na PMERJ, houve um programa, não tão eficaz como foi durante o Comando do Laviano (2018), mas aconteceu.

Pra atingir os inativos e os de folga é preciso ter uma boa comunicação interna. Pra comprar blindado não precisa, mas conscientizar sobre latrocínio, sobre a necessidade de evitar locais perigosos, fazer a identificação dos riscos e a gestão, tudo isso necessita de uma comunicação interna. É aí que o “Compromisso com o Rio” entra.

Quando o policial vai pra inatividade ele sofre um baque. É individual, mas há uma psique coletiva dizendo: – Você é operativo! Você está no combate! Você é Law and Order! Dependendo do seu ranking na corporação você comanda.Eu comandava quase 40.000 pessoas e no dia seguinte eu estava comandando a cozinha da minha casa e sem ninguém para obedecer às minhas ordens. No meu caso específico, em um dia eu era responsável pela segurança de 16 milhões de pessoas e no outro dia era inativo. Existem outros casos, como os policiais fazendo a segurança da esquina, sempre atentos, com a arma na mão. É preciso haver uma desaceleração nesse processo de inatividade. Isso é um trabalho de Saúde Mental.

Eu fui para a inatividade pelo meu tempo de serviço, mas existem outros indo para a inatividade precocemente pela vitimização. Se para mim já foi complicado, imagina para eles? Eles passaram uma vida inteira ativos, rígidos, os defensores da cidade, no dia seguinte são pessoas com deficiência. Como encarar isso?

É de suma importância resgatar essas pessoas. É a vida após a guerra. É uma nova vida, uma ressignificação. Aí entra o trabalho do profissional de Saúde Mental, do Fisioterapeuta, do Treinador Esportivo, do Socializador. Isso valoriza a autoestima do vitimado e também do não vitimado. O policial se sente importante e sabe que há alguém se preocupando com ele.

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